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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Reflexões


Hoje, em pleno domingo, dia que levantamos mais tarde, fui completamente do contra. Acordei cedo.

Diria até muito cedo para determinados padrões, e posso confessar minha extrema felicidade em poder ficar mais tempo à toa como acabei de falar a um casal.

Mas, já que ficar à toa não é muito minha praia resolvi sentar-me diante do computador para redigir algumas peças que estão faltando no escritório. E são muitas.

Porém deparei-me com um episódio agora intrigante para mim, mas que no momento gerou inúmeras satisfações.

Era criança ainda, por volta dos meus seis anos de idade quando resolvi ir à luta, e estudar era a única coisa que podia fazer com aquela idade.

Fui a campo, e como já sabia ler e escrever (naquela época era muito difícil uma criança saber ler e escrever aos seis anos), não fiz por menos. Peguei um caderninho que minha mãe deixava na cômoda da cozinha, um lápis “Faber” nº 2, um pequeno saco de pano, e fui encher os pataquás de minha mãe para que me levasse à escola.

A discussão por minha parte foi árdua, e não desgrudei da saia de minha mãe enquanto ela não conversasse com o meu pai e me colocasse na Escola.

Parecia um plano ótimo, em que eu pedia e eles cediam, era fácil assim.

Meu pai chegava por volta das cinco da tarde, então fiquei sentado na soleira da porta da sala até que ele chegasse.

Paramentado, lá estava eu, das catorze as dezessete hora, praticamente sem me mexer, fixo à ideia que tinha que estudar.

Meu pai chegou, e como de costume um beijo em minha mãe, outro em nós (minha irmã se inclui), e depois de um banho lá vinha minha mãe então com os pacovás cheios de tanto ouvir falar que eu queria estudar, minha mãe então se manifestou com o meu pai.

Foi até um bom debate, pois meu pai falava de que eu tinha apenas seis anos e por outro minha mãe rebatia dizendo que se eu já tinha essa ideia então já estava preparado para assumir a responsabilidade diária de ir à escola.

Tudo bem, minha mãe venceu, para minha felicidade é claro, e combinaram então que na próxima segunda feira iríamos até o diretor do Grupo Escolar Costa Braga, e falaríamos com ele.

O tempo então parou. Parou tal como se travasse na sexta e não chegava ao sábado.

Eu já estava pensando: Vai chegar terça-feira e não chega ainda à segunda-feira. É um pensamento de criança, confesso, mas o melhor que tinha na época.

O fim de semana foi um caos, não queria brincar com minha irmã, naquela época a caçula e única, porque tinha que me preparar para possível conversa com o tal dito “Diretor”.

Para encurtar um pouco, o domingo veio, e com ele a noite chegava, e com esta um sono alucinante me tomava conta.

Chegou às nove da noite e começa então o jingle da televisão: “Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar, um bom sono para você e um alegre despertar”.

Era a minha deixa. Rapidamente fui às bênçãos dos pais, um beijo em minha irmã e cama.

Lá sonhei com a escola, com os colegas, os amigos, os professores, e o temível diretor, pois era ele que faria minha avaliação.

Chegou a manhã de segunda, então levantei primeiro que meus pais, vesti minhas calças curtas (chique na época) azul, uma camisa branca com bolso na frente, e peguei o meu caderno, o precioso caderno para rumo ao Grupo Escolar.

Era uma época em que se ter o quarto ano do Grupo Escolar era te dar uma posição de destaque, pois a maioria do povo mal tinha o primeiro e o segundo ano de escola, então quando você completava os quatro anos, tinha um emprego garantido, um destaque na sociedade.

Ginasial então era coisa para ricos, e digo mais, para poucos ricos que podiam ter o luxo de ter o quarto ano ginasial, era considerado um mestre.

Colegial então nem se fala, era a glória de um pai que tinha seu filho como terceiranista do Colegial. Esse já podia adentrar nos melhores empregos, já podia dar aulas a outros que não tinham chance de estudar. Era um luxo.

Mas, voltando a minha segunda-feira, lá estava eu, ali, bonitinho da mamãe e orgulho do papai, pronto para chegar ao Grupo Escolar.

Não preciso dizer que o Diretor, foi fazer um teste comigo, e só não me colocou no segundo ano porque eu ainda não tinha oito anos, idade em que um aluno ia para o segundo ano.

Lá estava eu, com um laudo do Diretor dizendo: Dê a vaga ao garoto, e por outro lado, não é permitido dar vagas para quem não tem sete anos completos.

Fiz a minha parte, comecei a chorar. Mas chorar de verdade, com lágrimas no rosto e tudo mais, isso sem dizer a ranheta que me vinha pelo nariz, mas vamos pular essa parte.

Saí da sala do Diretor com minha matrícula pronta. Já poderia começar na próxima segunda-feira, pois teria que comprar o uniforme, e todo o material escolar.

Minha angústia era de que meu pai não tivesse dinheiro o suficiente para me deixar na escola, mas não, meu pai acenou com esforço, e meu material no dia seguinte estava sobre a mesa da cozinha.

Já fui desempacotando os cadernos, tirando o papel de seda que teria que encapá-los, a Gilette que iria apontar meus lápis, tudo lá.

Em menos de uma semana, eu era o primeiro de minha classe, que mesmo entrando depois das aulas começadas, isso foi em abril e as aulas começaram em fevereiro, já me destacava pela perfeição com que lia a cartilha “Caminho Suave” e demais livros que minha professora “Ercy Soares Novaes” me colocava à frente.

O final do ano chegou, fui o primeiro da classe, e lembro-me bem de um presente, que não sei se poderia dizer uma premonição, que ganhei dos meus avós Maternos. Uma Coruja sobre uma pilha de três livros e havia lá uma inscrição: “Hei de Vencer Estudando”.

Estava com meus oito anos, quando fui até a casa de um tio do meu pai, o tio Joca, um naquele tempo, senhor de seus cinquenta anos de idade e que não tinha escolaridade nenhuma, só um coração do tamanho de um boi, que me colocava ao seu colo e me pedia para ensinar-lhe a ler e escrever.

Eram horas que passávamos juntos, e eu ensinando aquele tio, o a, b, c, e todas as outras letras do alfabeto.

Hoje, quarenta e quatro anos se passaram e aquela foto mental ainda me intriga. Eu era criança demais para entender, mas a Coruja sobre os Livros é um antigo símbolo da Sabedoria.

Estou agora com cinquenta e dois anos de idade, cursando um grau de especialização que jamais pensei que pudesse fazer o doutorado, passo em frente a essas casas que tem diversos símbolos nas prateleiras, e me deparo novamente com uma Coruja sobre uma pilha de livros, e lembro-me do meu presente.

Não tenho mais o presente, e também não tenho coragem de comprar um objeto igual para colocar sobre minha mesa, mas fico pensando: Seria aquele presente uma premonição?

As aulas dadas ao tio Joca, não era premonição?

Reflexões veem, e agora já não acho mais que meu destino foi por acaso, tem que haver uma força maior para fechar o círculo da vida.

Assim vos digo: Prazer em Recebê-los.

Clóvis Cortez de Almeida


5 comentários:

  1. Oi, mestre... Lindo texto...
    De tudo, o que mais gostei: "Reflexões veem, e agora já não acho mais que meu destino foi por acaso, tem que haver uma força maior para fechar o círculo da vida."...
    Sim... tem que haver uma força maior para fechar o circulo da vida...
    Abraço fraterno.
    Lilith

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    1. Obrigado mais uma vez Lilith. Como te escrevi, você tem uma propriedade muito grande para interpretar nossos pensamentos. Gostaria de recomendar-lhe um livro: "Nos fundos de uma consciência". Trata-se de um neófito que percorre as sombras do inconsciente para descobrir o que seu mestre pensa. Como você me trata de Mestre, mesmo sem sê-lo, pensei em você ao abrir as páginas de minha Biblioteca oculta. Beijos

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  2. Oi, mestre... Interpretar nossos pensamentos?

    Pode deixar, vou providenciar, assim que eu conseguir pagar algumas coisas por aqui, acho que o mes que vem já consigo.

    Quisera eu percorrer as sombras do inconsciente para descobrir o que algum mestre meu pense... Ainda estou muito longe disso.

    Engraçado... Sabe o que eu faço todas as noites antes de dormir? Eu oro... A maioria das vezes por você, para que seja e esteja feliz, que faça o que gosta, que seja iluminado mais do que as palavras conseguem ver. E nem te conheço...

    Obrigada pela indicação, mestre. Gosto muito de estudar e tem momentos que penso que quanto mais eu gosto, sempre vai tendo um entrave para bloquear o caminho...

    Abraço fraterno,
    Lilith.

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