Hoje,
em pleno domingo, dia que levantamos mais tarde, fui completamente do contra.
Acordei cedo.
Diria
até muito cedo para determinados padrões, e posso confessar minha extrema
felicidade em poder ficar mais tempo à toa como acabei de falar a um casal.
Mas,
já que ficar à toa não é muito minha praia resolvi sentar-me diante do
computador para redigir algumas peças que estão faltando no escritório. E são
muitas.
Porém
deparei-me com um episódio agora intrigante para mim, mas que no momento gerou inúmeras
satisfações.
Era
criança ainda, por volta dos meus seis anos de idade quando resolvi ir à luta,
e estudar era a única coisa que podia fazer com aquela idade.
Fui
a campo, e como já sabia ler e escrever (naquela época era muito difícil uma
criança saber ler e escrever aos seis anos), não fiz por menos. Peguei um
caderninho que minha mãe deixava na cômoda da cozinha, um lápis “Faber” nº 2,
um pequeno saco de pano, e fui encher os pataquás de minha mãe para que me
levasse à escola.
A
discussão por minha parte foi árdua, e não desgrudei da saia de minha mãe
enquanto ela não conversasse com o meu pai e me colocasse na Escola.
Parecia
um plano ótimo, em que eu pedia e eles cediam, era fácil assim.
Meu
pai chegava por volta das cinco da tarde, então fiquei sentado na soleira da
porta da sala até que ele chegasse.
Paramentado,
lá estava eu, das catorze as dezessete hora, praticamente sem me mexer, fixo à
ideia que tinha que estudar.
Meu
pai chegou, e como de costume um beijo em minha mãe, outro em nós (minha irmã
se inclui), e depois de um banho lá vinha minha mãe então com os pacovás cheios
de tanto ouvir falar que eu queria estudar, minha mãe então se manifestou com o
meu pai.
Foi
até um bom debate, pois meu pai falava de que eu tinha apenas seis anos e por
outro minha mãe rebatia dizendo que se eu já tinha essa ideia então já estava
preparado para assumir a responsabilidade diária de ir à escola.
Tudo
bem, minha mãe venceu, para minha felicidade é claro, e combinaram então que na
próxima segunda feira iríamos até o diretor do Grupo Escolar Costa Braga, e
falaríamos com ele.
O
tempo então parou. Parou tal como se travasse na sexta e não chegava ao sábado.
Eu
já estava pensando: Vai chegar terça-feira e não chega ainda à segunda-feira. É
um pensamento de criança, confesso, mas o melhor que tinha na época.
O
fim de semana foi um caos, não queria brincar com minha irmã, naquela época a
caçula e única, porque tinha que me preparar para possível conversa com o tal
dito “Diretor”.
Para
encurtar um pouco, o domingo veio, e com ele a noite chegava, e com esta um
sono alucinante me tomava conta.
Chegou
às nove da noite e começa então o jingle da televisão: “Já é hora de dormir,
não espere mamãe mandar, um bom sono para você e um alegre despertar”.
Era
a minha deixa. Rapidamente fui às bênçãos dos pais, um beijo em minha irmã e
cama.
Lá
sonhei com a escola, com os colegas, os amigos, os professores, e o temível
diretor, pois era ele que faria minha avaliação.
Chegou
a manhã de segunda, então levantei primeiro que meus pais, vesti minhas calças
curtas (chique na época) azul, uma camisa branca com bolso na frente, e peguei
o meu caderno, o precioso caderno para rumo ao Grupo Escolar.
Era
uma época em que se ter o quarto ano do Grupo Escolar era te dar uma posição de
destaque, pois a maioria do povo mal tinha o primeiro e o segundo ano de
escola, então quando você completava os quatro anos, tinha um emprego
garantido, um destaque na sociedade.
Ginasial
então era coisa para ricos, e digo mais, para poucos ricos que podiam ter o
luxo de ter o quarto ano ginasial, era considerado um mestre.
Colegial
então nem se fala, era a glória de um pai que tinha seu filho como terceiranista
do Colegial. Esse já podia adentrar nos melhores empregos, já podia dar aulas a
outros que não tinham chance de estudar. Era um luxo.
Mas,
voltando a minha segunda-feira, lá estava eu, ali, bonitinho da mamãe e orgulho
do papai, pronto para chegar ao Grupo Escolar.
Não
preciso dizer que o Diretor, foi fazer um teste comigo, e só não me colocou no
segundo ano porque eu ainda não tinha oito anos, idade em que um aluno ia para
o segundo ano.
Lá
estava eu, com um laudo do Diretor dizendo: Dê a vaga ao garoto, e por outro
lado, não é permitido dar vagas para quem não tem sete anos completos.
Fiz
a minha parte, comecei a chorar. Mas chorar de verdade, com lágrimas no rosto e
tudo mais, isso sem dizer a ranheta que me vinha pelo nariz, mas vamos pular
essa parte.
Saí
da sala do Diretor com minha matrícula pronta. Já poderia começar na próxima segunda-feira,
pois teria que comprar o uniforme, e todo o material escolar.
Minha
angústia era de que meu pai não tivesse dinheiro o suficiente para me deixar na
escola, mas não, meu pai acenou com esforço, e meu material no dia seguinte
estava sobre a mesa da cozinha.
Já
fui desempacotando os cadernos, tirando o papel de seda que teria que
encapá-los, a Gilette que iria apontar meus lápis, tudo lá.
Em
menos de uma semana, eu era o primeiro de minha classe, que mesmo entrando
depois das aulas começadas, isso foi em abril e as aulas começaram em
fevereiro, já me destacava pela perfeição com que lia a cartilha “Caminho Suave”
e demais livros que minha professora “Ercy Soares Novaes” me colocava à frente.
O
final do ano chegou, fui o primeiro da classe, e lembro-me bem de um presente,
que não sei se poderia dizer uma premonição, que ganhei dos meus avós Maternos.
Uma Coruja sobre uma pilha de três livros e havia lá uma inscrição: “Hei de
Vencer Estudando”.
Estava
com meus oito anos, quando fui até a casa de um tio do meu pai, o tio Joca, um
naquele tempo, senhor de seus cinquenta anos de idade e que não tinha
escolaridade nenhuma, só um coração do tamanho de um boi, que me colocava ao
seu colo e me pedia para ensinar-lhe a ler e escrever.
Eram
horas que passávamos juntos, e eu ensinando aquele tio, o a, b, c, e todas as
outras letras do alfabeto.
Hoje,
quarenta e quatro anos se passaram e aquela foto mental ainda me intriga. Eu
era criança demais para entender, mas a Coruja sobre os Livros é um antigo
símbolo da Sabedoria.
Estou
agora com cinquenta e dois anos de idade, cursando um grau de especialização
que jamais pensei que pudesse fazer o doutorado, passo em frente a essas casas
que tem diversos símbolos nas prateleiras, e me deparo novamente com uma Coruja
sobre uma pilha de livros, e lembro-me do meu presente.
Não
tenho mais o presente, e também não tenho coragem de comprar um objeto igual
para colocar sobre minha mesa, mas fico pensando: Seria aquele presente uma
premonição?
As
aulas dadas ao tio Joca, não era premonição?
Reflexões
veem, e agora já não acho mais que meu destino foi por acaso, tem que haver uma
força maior para fechar o círculo da vida.
Assim
vos digo: Prazer em Recebê-los.
Clóvis
Cortez de Almeida
AMEI! PARABÉNS PELO BELO TEXTO! BJ
ResponderExcluirObrigado Kiki pelas palavras deixadas.
ExcluirOi, mestre... Lindo texto...
ResponderExcluirDe tudo, o que mais gostei: "Reflexões veem, e agora já não acho mais que meu destino foi por acaso, tem que haver uma força maior para fechar o círculo da vida."...
Sim... tem que haver uma força maior para fechar o circulo da vida...
Abraço fraterno.
Lilith
Obrigado mais uma vez Lilith. Como te escrevi, você tem uma propriedade muito grande para interpretar nossos pensamentos. Gostaria de recomendar-lhe um livro: "Nos fundos de uma consciência". Trata-se de um neófito que percorre as sombras do inconsciente para descobrir o que seu mestre pensa. Como você me trata de Mestre, mesmo sem sê-lo, pensei em você ao abrir as páginas de minha Biblioteca oculta. Beijos
ExcluirOi, mestre... Interpretar nossos pensamentos?
ResponderExcluirPode deixar, vou providenciar, assim que eu conseguir pagar algumas coisas por aqui, acho que o mes que vem já consigo.
Quisera eu percorrer as sombras do inconsciente para descobrir o que algum mestre meu pense... Ainda estou muito longe disso.
Engraçado... Sabe o que eu faço todas as noites antes de dormir? Eu oro... A maioria das vezes por você, para que seja e esteja feliz, que faça o que gosta, que seja iluminado mais do que as palavras conseguem ver. E nem te conheço...
Obrigada pela indicação, mestre. Gosto muito de estudar e tem momentos que penso que quanto mais eu gosto, sempre vai tendo um entrave para bloquear o caminho...
Abraço fraterno,
Lilith.